segunda-feira

IMPRENSA


O papel do jornal como veículo de informações (*)
Por: Mauro Cherobim

Qual é a importância de um jornal numa cidade pequena? É importante em vários aspectos, mas vou me ater em dois: memória e informação.


Há pouco mais de trinta anos, quando eu fazia pesquisa no Amazonas, apontaram-me um armário com duas coleções de jornais que circularam em Humaitá na última década do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX. As matérias permitiam reconstruir uma história viva da cidade de Humaitá, os interesses dos seus moradores, o prestígio das pessoas...
Era a história viva de uma população contada através dos olhos dos redatores do jornal, a maioria sem uma escolaridade formal, mas pessoas com perspectivas de passado e de futuro. A falta destas perspectivas faz com que se pense que o mundo começa e termina com o indivíduo.
Os anúncios centenários mostravam o que se comia e de onde os alimentos eram importados. A manteiga, por exemplo, era importada do sul do país e parte dela da Europa; o jornal nos leva a inferir (concluir, raciocinar, refletir) que não se praticava a pecuária na Amazônia.
A memória de uma cidade, então, são as informações contidas e guardadas nos jornais. Por menores que sejam.
As informações! Houve uma grita, tempos atrás, quando o atual governo tentou, através de Lei, “regulamentar” a imprensa e a produção artística. Motivo: o temor pelas informações. Os governos, de modo geral, temem as informações. Um filósofo canadense, por exemplo, teve um seu livro traduzido para o português, com um nome bem sugestivo: Conhecimento proibido (Roger Shattuck Conhecimento proibido: de Prometeu à pornografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1998). Este livro mostra que determinados tipos de informações não devem chegar à população. Um grupo religioso, por exemplo, tem feito campanha para que os estudos do DNA fossem proibidos, pois, segundo os cientistas estariam se colocando acima de Deus, um elemento de crença. Os meios de comunicação divulgam e então eles se tornam um instrumento da besta.
Os grupos evangélicos têm uma gravura, do caminho estreito e do caminho largo, que encaminha o crente, respectivamente, ao céu e ao inferno. Numa das suas versões há um trem no fogo eterno. O trem foi, na Inglaterra moralista do século XIX, um instrumento da besta, pois transportava pessoas de um local para outro. Elas voltavam com novos conhecimentos, novas idéias, permitindo-lhes contestar as idéias dos lideres religiosos locais.
A idéia de autoridade esta ligada a uma instituição. A Igreja, a Prefeitura, etc. O Prefeito, o padre, o pastor, são autoridades institucionais, o tipo mais comum e são quem mais sentem a difusão de informação. Existem outros: a autoridade pelo saber (meritocracia), a autoridade de prestígio social, e vários outros tipos.. Se o detentor de uma autoridade institucional não tiver prestígio, saber, etc., terá uma autoridade vazia. Este é o motivo de os governos autoritários não gostarem da imprensa.
O segredo é uma forma de poder. O chefe religioso, o chefe político. Observei, numa pesquisa que realizei entre grupos pentecostais na Baixada do Ribeira, um pastor que proibia aos seus seguidores de assistir qualquer programa de televisão. A televisão é “um instrumento da besta”, dizia. Quando fui na sua casa encontrei a sua esposa e os seus filhos assistindo TV. Perguntei: você me falou, há pouco, que a TV era instrumento da besta? O seu aparelho, justificou, era para conhecer o mundo televisivo e assim orientar o seu povo. Ele se munia do segredo, do cerceamento à informação, para reforçar o seu poder.
O papel da imprensa, e deste jornal em Morretes, é o de informar e, portanto, construir uma memória e permitir a participação dos indivíduos na vida cultural, política, social. Em outras palavras, ao exercício a cidadania.
(*) – Publicado, originalmente, em Morretes Notícias, Edição nº 0, novembro de 2006.