sexta-feira

Tudo o que é sólido desmancha no ar

Socialismo fracassou, capitalismo quebrou: o que vem a seguir?

A prova de uma política progressista não é privada, mas sim pública. A prioridade não é o aumento do lucro e do consumo, mas sim a ampliação das oportunidades e, como diz Amartya Sen, das capacidades de todos por meio da ação coletiva. Isso significa iniciativa pública não baseada na busca de lucro. Decisões públicas dirigidas a melhorias sociais coletivas com as quais todos sairiam ganhando. Esta é a base de uma política progressista, não a maximização do crescimento econômico e da riqueza pessoal. A análise é do historiador britânico Eric Hobsbawm

Seja qual for o logotipo ideológico que adotemos, o deslocamento do mercado livre para a ação pública deve ser maior do que os políticos imaginam. O século XX já ficou para trás, mas ainda não aprendemos a viver no século XXI, ou ao menos pensá-lo de um modo apropriado. Não deveria ser tão difícil como parece, dado que a idéia básica que dominou a economia e a política no século passado desapareceu, claramente, pelo sumidouro da história. O que tínhamos era um modo de pensar as modernas economias industriais – em realidade todas as economias -, em termos de dois opostos mutuamente excludentes: capitalismo ou socialismo.

Conhecemos duas tentativas práticas de realizar ambos sistemas em sua forma pura: por um lado, as economias de planificação estatal, centralizadas, de tipo soviético; por outro, a economia capitalista de livre mercado isenta de qualquer restrição e controle. As primeiras vieram abaixo na década de 1980, e com elas os sistemas políticos comunistas europeus; a segunda está se decompondo diante de nossos olhos na maior crise do capitalismo global desde a década de 1930. Em alguns aspectos, é uma crise de maior envergadura do que aquela, na medida em que a globalização da economia não estava então tão desenvolvida como hoje e a economia planificada da União Soviética não foi afetada.

Não conhecemos a gravidade e a duração da atual crise, mas sem dúvida ela vai marcar o final do tipo de capitalismo de livre mercado iniciado com Margareth Thatcher e Ronald Reagan. A impotência, por conseguinte, ameaça tanto os que acreditam em um capitalismo de mercado, puro e desestatizado, uma espécie de anarquismo burguês, quanto os que crêem em um socialismo planificado e descontaminado da busca por lucros. Ambos estão quebrados. O futuro, como o presente e o passado, pertence às economias mistas nas quais o público e o privado estejam mutuamente vinculados de uma ou outra maneira. Mas como?

Este é o problema que está colocado diante de nós hoje, em particular para a gente de esquerda. Ninguém pensa seriamente em regressar aos sistemas socialistas de tipo soviético, não só por suas deficiências políticas, mas também pela crescente indolência e ineficiência de suas economias, ainda que isso não deva nos levar a subestimar seus impressionantes êxitos sociais e educacionais.

Por outro lado, até a implosão do mercado livre global no ano passado, inclusive os partidos social-democratas e moderados de esquerda dos países do capitalismo do Norte e da Australásia estavam comprometidos mais e mais com o êxito do capitalismo de livre mercado. Efetivamente, desde o momento da queda da URSS até hoje não recordo nenhum partido ou líder que denunciasse o capitalismo como algo inaceitável. E nenhum esteve tão ligado a sua sorte como o New Labour, o novo trabalhismo britânico. Em suas políticas econômicas, tanto Tony Blair como Gordon Brown (este até outubro de 2008) podiam ser qualificados sem nenhum exagero como Thatchers com calças.

O mesmo se aplica ao Partido Democrata, nos Estados Unidos. A idéia básica do novo trabalhismo, desde 1950, era que o socialismo era desnecessário e que se podia confiar no sistema capitalista para fazer florescer e gerar mais riqueza do que em qualquer outro sistema. Tudo o que os socialistas tinham que fazer era garantir uma distribuição eqüitativa. Mas, desde 1970, o acelerado crescimento da globalização dificultou e atingiu fatalmente a base tradicional do Partido Trabalhista britânico e, em realidade, as políticas de ajudas e apoios de qualquer partido social democrata.

Muitas pessoas, na década de 1980, consideraram que se o barco do trabalhismo não queria ir a pique, o que era uma possibilidade real, tinha que ser objeto de uma atualização. Mas não foi. Sob o impacto do que considerou a revitalização econômica thatcherista, o New Labour, a partir de 1997, engoliu inteira a ideologia, ou melhor, a teologia, do fundamentalismo do mercado livre global.

O Reino Unido desregulamentou seus mercados, vendeu suas indústrias a quem pagou mais, deixou de fabricar produtos para a exportação (ao contrário do que fizeram Alemanha, França e Suíça) e apostou todo seu dinheiro em sua conversão a centro mundial dos serviços financeiros, tornando-se também um paraíso de bilionários lavadores de dinheiro. Assim, o impacto atual da crise mundial sobre a libra e a economia britânica será provavelmente o mais catastrófico de todas as economias ocidentais e o com a recuperação mais difícil também.

É possível afirmar que tudo isso já são águas passadas. Que somos livres para regressar à economia mista e que a velha caixa de ferramentas trabalhista está aí a nossa disposição – inclusive a nacionalização -, de modo que tudo o que precisamos fazer é utilizar de novo essas ferramentas que o New Labour nunca deixou de usar. No entanto, essa idéia sugere que sabemos o que fazer com as ferramentas. Mas não é assim.

Por um lado, não sabemos como superar a crise atual. Não há ninguém, nem os governos, nem os bancos centrais, nem as instituições financeiras mundiais que saiba o que fazer: todos estão como um cego que tenta sair do labirinto tateando as paredes com todo tipo de bastões na esperança de encontrar o caminho da saída.

Por outro lado, subestimamos o persistente grau de dependência dos governos e dos responsáveis pelas políticas às receitas do livre mercado, que tanto prazer lhes proporcionaram durante décadas. Por acaso se livraram do pressuposto básico de que a empresa privada voltada ao lucro é sempre o melhor e mais eficaz meio de fazer as coisas? Ou de que a organização e a contabilidade empresariais deveriam ser os modelos inclusive da função pública, da educação e da pesquisa? Ou de que o crescente abismo entre os bilionários e o resto da população não é tão importante, uma vez que todos os demais – exceto uma minoria de pobres – estejam um pouquinho melhor? Ou de que o que um país necessita, em qualquer caso, é um máximo de crescimento econômico e de competitividade comercial? Não creio que tenham superado tudo isso.

No entanto, uma política progressista requer algo mais que uma ruptura um pouco maior com os pressupostos econômicos e morais dos últimos 30 anos. Requer um regresso à convicção de que o crescimento econômico e a abundância que comporta são um meio, não um fim. Os fins são os efeitos que têm sobre as vidas, as possibilidades vitais e as expectativas das pessoas.

Tomemos o caso de Londres. É evidente que importa a todos nós que a economia de Londres floresça. Mas a prova de fogo da enorme riqueza gerada em algumas partes da capital não é que tenha contribuído com 20 ou 30% do PIB britânico, mas sim como afetou a vida de milhões de pessoas que ali vivem e trabalham. A que tipo de vida têm direito? Podem se permitir a viver ali? Se não podem, não é nenhuma compensação que Londres seja um paraíso dos muito ricos. Podem conseguir empregos remunerados decentemente ou qualquer tipo de emprego? Se não podem, de que serve jactar-se de ter restaurantes de três estrelas Michelin, com alguns chefs convertidos eles mesmos em estrelas. Podem levar seus filhos à escola? A falta de escolas adequadas não é compensada pelo fato de que as universidades de Londres podem montar uma equipe de futebol com seus professores ganhadores de prêmios Nobel.

A prova de uma política progressista não é privada, mas sim pública. Não importa só o aumento do lucro e do consumo dos particulares, mas sim a ampliação das oportunidades e, como diz Amartya Sen, das capacidades de todos por meio da ação coletiva. Mas isso significa – ou deveria significar – iniciativa pública não baseada na busca de lucro, sequer para redistribuir a acumulação privada. Decisões públicas dirigidas a conseguir melhorias sociais coletivas com as quais todos sairiam ganhando.

Esta é a base de uma política progressista, não a maximização do crescimento econômico e da riqueza pessoal. Em nenhum âmbito isso será mais importante do que na luta contra o maior problema com que nos enfrentamos neste século: a crise do meio ambiente. Seja qual for o logotipo ideológico que adotemos, significará um deslocamento de grande alcance, do livre mercado para a ação pública, uma mudança maior do que a proposta pelo governo britânico. E, levando em conta a gravidade da crise econômica, deveria ser um deslocamento rápido. O tempo não está do nosso lado.

Artigo publicado originalmente no jornal The Guardian Tradução do inglês para o espanhol: S. Segui, integrante dos coletivos Tlaxcala, Rebelión e Cubadebate.

Tradução do espanhol para o português: Katarina Peixoto

quinta-feira

O mestre sala dos mares


REVOLTA DA CHIBATA
João Cândido, o Almirante Negro

O Congresso brasileiro restabeleceu, no mês de agosto de 2003, os direitos de todos os marinheiros envolvidos na chamada "Revolta da Chibata", ocorrida em 1910. O decreto devolve aos marinheiros suas patentes, permitindo que recebam na Justiça os valores a que teriam direito se tivessem permanecido na ativa. Após 93 anos, resgata-se a memória dos marujos, especialmente do líder da Revolta, João Cândido Felisberto, o "Almirante Negro".
Para entender a história de João Cândido e da Revolta da Chibata - uma das poucas revoltas populares que atingiu seus objetivos no Brasil - é preciso voltar a 1910. Neste ano, no meio de uma grande instabilidade política, o militar Hermes da Fonseca é eleito para a presidência.
Na noite do dia 22 de novembro de 1910, o novo presidente recebe a notícia: os canhões de alguns dos principais navios de guerra da Marinha Brasileira – neste momento ancorados em frente à cidade, na Baía de Guanabara - apontam para a capital do Rio de Janeiro e para o próprio palácio de governo. As tripulações se rebelaram e tomaram os principais navios da frota.
O Minas Gerais, um dos modernos navios recém-adquiridos pela Marinha na época da Revolta

Três oficiais e o comandante do encouraçado Minas Gerais, João Batista das Neves, estão mortos. Os demais oficiais são pegos de surpresa: os marinheiros manobram a frota exemplarmente, como não acontecia sob seu comando. O movimento, articulado por marinheiros como Francisco Dias Martins, o "Mão Negra" e os cabos Gregório e Avelino, tem como seu porta-voz o timoneiro João Cândido.



A última chicotada
Os motivos principais da Revolta eram simples: o descontentamento com os baixos soldos, a alimentação de má qualidade e, principalmente, os humilhantes castigos corporais. Estes haviam sido abolidos no começo do século, acompanhando o final da escravidão, sendo depois reativados pela Marinha como forma de manter a disciplina a bordo.

No Minas Gerais, por exemplo, no dia da Revolta, o marinheiro Marcelino Menezes é chicoteado como um escravo por oficiais, à frente de toda a tripulação. Segundo jornais da época, recebe 250 chibatadas. Desmaia, mas o castigo continua. O movimento então eclode. João Cândido no primeiro momento não está presente. No calor da luta, são mortos os oficiais presentes no navio, o que terá conseqüências trágicas para os revoltosos.
Para surpresa dos oficiais a marujada manobrava sozinha os navios (Foto: "Diários Associados")
Além do Minas Gerais, os marinheiros tomam os navios Bahia, São Paulo, Deodoro, Timbira e Tamoio. Hasteiam bandeiras vermelhas e um pavilhão: "Ordem e Liberdade". A frota inclui mais de 80 canhões, que são apontados para a cidade. Alguns tiros de aviso chegam a ser disparados. Os marujos enviam um radiograma, onde apresentam ao governo suas exigências: querem o fim efetivo dos castigos corporais; o perdão por sua ação e que melhorem suas condições de trabalho.
A Marinha quer punir a insubordinação e a morte dos oficiais. O governo, contudo, cede. A ameaça à cidade e ao poder de Hermes da Fonseca são reais. Aprovam-se então medidas que acabam com as chibatadas e também um projeto que anistia os amotinados. Depois de cinco dias, a revolta termina vitoriosa.

A despedida do marinheiro
Os jornais da época anunciam o término da Revolta: quase 3.000 pessoas. Os mais ricos - fugiram da cidade. A população subiu aos morros para ver as manobras da Armada
Os marinheiros, em festa, entregam os navios. O uso da chibata como norma de punição disciplinar na Marinha de Guerra do Brasil finalmente está extinto.
Logo, no entanto, o governo trai a anistia. Os marinheiros começam a ser perseguidos. Surgem notícias de uma nova revolta, desta vez no quartel da Ilha das Cobras. O governo recebe plenos poderes do Congresso para agir. A ilha é cercada e bombardeada.
Cerca de 100 marinheiros são presos e mandados, nos porões do navio "Satélite" - misturados a ladrões, prostitutas e desocupados recolhidos pela polícia para "limpar" a capital - para trabalhos forçados na Comissão Rondon, ou simplesmente para serem abandonados na Floresta Amazônica. Na lista de seus nomes, entregue ao comandante do "Satélite", alguns estão marcados por uma cruz vermelha. São os que morrerão fuzilados e, depois, serão jogados ao mar.

João Cândido, embora não tenha participado do novo levante, também é preso e enviado para a prisão subterrânea da Ilha das Cobras, na noite de Natal de 1910, com mais 17 companheiros. Os 18 presos foram jogados em uma cela recém-lavada com água e cal. A cela ficava em um túnel subterrâneo, do qual era separada por um portão de ferro. Fechava-a ainda grossa porta de madeira, dotada de minúsculo respiradouro. O comandante do Batalhão Naval, capitão-de-fragata Marques da Rocha, por razões que ninguém sabe ao certo, levou consigo as chaves da cela e foi passar a noite de Natal no Clube Naval, embora residisse na ilha.
A falta de ventilação, a poeira da cal, o calor, a sede começaram a sufocar os presos, cujos gritos chamaram a atenção da guarda na madrugada de Natal. Por falta das chaves, o carcereiro não podia entrar na cela. Marques da Rocha só chegou à ilha às oito horas da manhã. Ao serem abertos os dois portões da solitária, só dois presos sobreviviam, João Cândido e o soldado naval João Avelino. O Natal dos demais fora paixão e morte.
O médico da Marinha, no entanto, diagnosticou a causa da morte como sendo "insolação". Marques da Rocha foi absolvido em Conselho de Guerra, promovido a capitão-de mar-e-guerra e recebido em jantar pelo presidente da República.
João Cândido continuou na prisão, às voltas com os fantasmas da noite de terror. O jornalista Edmar Morel (1979, p. 182) registrou assim seu depoimento pessoal: "Depois da retirada dos cadáveres, comecei a ouvir gemidos dos meus companheiros mortos, quando não via os infelizes, em agonia, gritando desesperadamente, rolando pelo chão de barro úmido e envoltos em verdadeiras nuvens da cal. A cena dantesca jamais saiu dos meus olhos.
Atormentado pela lembrança dos companheiros mortos, João Cândido é algum tempo depois internado em um hospício.
Perto do mar, as "pedras pisadas do cais"
Aos poucos, ele se restabelece. É solto e expulso da Marinha. Os navios mercantes não o aceitam: nenhum comandante quer por perto um ex-presidiário, agitador, negro, pobre e talvez doido. João Cândido continuará contudo perto do mar, até morrer, em 1969, aos 89 anos de idade, como simples vendedor de peixe.
Os que fizeram a Revolta da Chibata morreram ou foram presos, desmoralizados e destruídos. Seu líder terminou sem patente militar, sem aposentadoria e semi-ignorado pela História oficial. No entanto, o belíssimo samba "O Mestre-Sala dos Mares", de João Bosco e Aldir Blanc, composto nos anos 70, imortalizou João Cândido e a Revolta da Chibata. Como diz a música, seu monumento estará para sempre "nas pedras pisadas do cais". A mensagem de coragem e liberdade do "Almirante Negro" e seus companheiros resiste.
HOMENAGEM DE JOÃO BOSCO E ALDIR BLANC À "REVOLTA DA CHIBATA"
Sobre a censura à música, o compositor Aldir Blanc conta: "Tivemos diversos problemas com a censura. Ouvimos ameaças veladas de que a Marinha não toleraria loas e um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais, etc. Fomos várias vezes censurados, apesar das mudanças que fazíamos, tentando não mutilar o que considerávamos as idéias principais da letra. Minha última ida ao Departamento de Censura, então funcionando no Palácio do Catete, me marcou profundamente. Um sujeito, bancando o durão, (...) mãos na cintura, eu sentado numa cadeira e ele de pé, com a coronha da arma no coldre há uns três centímetros do meu nariz. Aí, um outro, bancando o "bonzinho", disse mais ou menos o seguinte:
Vocês não então entendendo... Estão trocando as palavras como revolta, sangue, etc. e não é aí que a coisa tá pegando...
Eu, claro, perguntei educadamente se ele poderia me esclarecer melhor. E, como se tivesse levado um "telefone" nos tímpanos, ouvi, estarrecido a resposta, em voz mais baixa, gutural, cheia de mistério, como quem dá uma dica perigosa:
- O problema é essa história de negro, negro, negro..."

MÚSICA DE JOÃO BOSCO E ALDIR BLANCI
EM HOMENAGEM A REVOLTA DA CHIBATA
Mestre-Sala dos Mares", de João Bosco e Aldir Blanc, composto nos anos 70, imortalizou João Cândido e a Revolta da Chibata. Como diz a música, seu monumento estará para sempre "nas pedras pisadas do cais". A mensagem de coragem e liberdade do "Almirante Negro" e seus companheiros resiste.

O Mestre Sala dos Mares
(João Bosco / Aldir Blanc)
(letra original sem censura)


Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao navegar pelo mar com seu bloco de fragatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos negros pelas pontas das chibatas
Inundando o coração de toda tripulação
Que a exemplo do marinheiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

O Mestre Sala dos Mares
(João Bosco / Aldir Blanc)
(letra após censura durante ditadura militar)


Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar reapareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como o navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre sala
E ao acenar pelo mar na alegria das regatas
Foi saudado no porto pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas
Rubras cascatas jorravam das costas
dos santos entre cantos e chibatas
Inundando o coração do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava então
Glória aos piratas, às mulatas, às sereias
Glória à farofa, à cachaça, às baleias
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esquecemos jamais
Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais
Mas faz muito tempo

sexta-feira

Sorria, você está sendo filmado

Procurando briga com o Google

O texto entre aspas foi publicado por luiz weiss no Observatório de Imprensa

"O Google está no olho de um furacão que começou a se formar nos Estados Unidos e deve se espalhar pelo resto do mundo.

Como você sabe, a não ser que tenha acabado de desembarcar de Marte, o mais poderoso site de busca da internet é daquelas criações que fazem as pessoas se perguntar: como é que a gente conseguia viver sem ela?

Antigamente, havia em São Paulo um jornal chamado Gazeta Esportiva. Tinha um slogan: se a Gazeta não deu, ninguém sabe que aconteceu.

O Google é mais ou menos isso levado à enésima potência: se você não achar ali o que procura, é porque, com toda a probabilidade, o que você procura não existe.

Sem falar nessa maravilha absoluta chamada Google Earth, com suas imagens e mapas. Depois dele, ficou muito difícil, quase impossível, perder-se neste mundo.

O Google não cessa de se expandir, determinado a negar o Postulado de Friedman – alusão ao economista americano Milton Friedman [1912-2006] que dizia que “na economia, não existe almoço grátis”, ou seja, tudo tem um custo, que alguém sempre terá de pagar.

Para zilhões de usuários, o Google não é um almoço grátis. É um celestial banquete grátis. Os custos, ou parte deles, são bancados pelos anúncios – os “links patrocinados” que aparecem nas páginas que o sistema abre quando acionado por uma consulta.

Os motores do Google funcionam tão bem que os anúncios são cada vez mais sob medida para o internauta-consulente. O Google, portanto, não apenas sabe o que você procura, mas também sabe quem você é.

“O Google prescruta nossas casas, nossos oceanos, nossas fraquezas, nossos movimentos e nossos gostos”, escreve no New York Times de quarta-feira, 15, a colunista Maureen Dowd, a propósito de sua visita à sede do Grande Irmão, em Mountain View, California, e de sua conversa – não é propriamente uma entrevista – com o chefão do negócio, Eric Schmidt.

O que a levou até ali foi justamente o furacão que ameaça – ou poderá vir a ameaçar, para ser mais prudente – o modelo Google de dois lados: um, a sua apropriação e oferta de conteúdos presumivelmente protegidos pelo direito autoral; outro, a devassa que os seus motores de busca fazem na intimidade alheia.

Firmas como o Google, atesta a colunista, sequestraram o jornalismo, “fazendo nos sentir tão modernos como a réplica do Tyrannosaurus rex que fica no seu campus”.

Maureen: “Schmidt, de 53 anos e fala mansa, exibe a calma do terapeuta que sabe das coisas quando explica por que a privacidade já era e porque jornais que já eram não vão arrancar dinheiro do Google para se salvar".

Querem “arrancar” dinheiro do Google, para usar o verbo agressivo do seu criador, o megamagnata das comunicações Rupert Murdoch. Ele diz que os grandes jornais não devem deixar o Google roubar nossos direitos autorais. Robert Thomson, editor-chefe do Wall Street Journal, um dos jornais de Murdoch, compara sites como o Google a parasitas intestinais, tênias e solitárias.

Outro que está de olho nos dólares de Schmidt é a agência de notícias Associated Press. [Leia no blog "Verbo Solto" do Observatório de Imprensa, a propósito, o artigo “Jornalismo de banda estreita”, de 15/4, dez últimos parágrafos.]

A AP fala em processar o Google e outros agregadores de notícias que usam sem permissão, e sem pagar nada em troca, material jornalístico de agências e publicações.

Eles que tratem de se remunerar de outra forma, parece ser a resposta de Schmidt. “A melhor maneira de sair dessa é inventar um novo produto”, aconselha, sem entrar em detalhes, naturalmente. “É o jeito Google de pensar. Os instalados quase nunca inventam o futuro.”

E os anúncios sob medida? É o futuro da publicidade online. argumenta. “Os anúncios serão mais eficazes quanto mais personalizados e precisos forem.”

A privacidade, ora, a privacidade…

Mas Schmidt se apressa a lembrar que se alguém se queixar de aparecer numa foto constrangedora tirada pelas câmaras do Google View Street [que flagram cenas das ruas que figuram nos seus mapas], logo logo o queixoso terá o seu rosto apagado. O sistema que os bruxos do Google estão criando vai se chamar “o anonimizador” – soa tão feio em inglês como em português, mas é assim que essa gente fala.

O cara acha que os seus serviços de busca desmistificam. Dá um exemplo: como é que o Barack Obama se comportava no primário? Ah, sim, ‘tá aqui uma foto dele escarafunchando o nariz.

E pensar que o jornalismo de qualidade sempre consistiu em fazer escolhas editoriais entre o relevante, para ser publicado, e o irrelevante, ou invasivo, para ser engavetado.

Mas essas sutilezas, diz Schmidt à colunista, os computadores não conseguem reproduzir muito facilmente.

É o tal do admirável mundo novo".
___________________________________________

Por isso, meus caros leitores,

sorriam!! Vocês estão sendo filmados!


Acabou a privacidade e todo mundo pode olhar através da sua janela e saber exatamente tudo o que está fazendo.

Há mais de dez anos, o governo norte americano criou uma sofisticada tecnologia de espionagem chamada "ECHELON" - e nos colocou a todos dentro do big brother.

O Sistema Echelon, através de 120 satélites Vortex, intercepta todo tipo de comunicações que utilizam instrumentos eletrônicos e digitais (as comunicações telefônicas, o fax e o correio eletrônico) em todo o mundo.

A capacidade de interceptação de comunicações privadas e de obter informações políticas, econômicas, tecnológicas e comerciais é de 2.000 milhões de informações por dia.

Seus objetivos não são somente políticos, para a segurança do Estado e contra possíveis atividades terroristas e subversivas, más também econômicas na competição no livre mercado internacional.

Quando o fato se tornou público, os principais governantes de alguns dos países apontados, evitaram qualquer comentário a respeito, argumentando razões de Segurança de Estado.

Google, Echelon e outras tecnologias ainda mais modernas e mantidas em segredo, serão, daqui em diante, um processo sem volta que quer controlar a tudo e a todos.

João Luiz Corrêa Soter

uma grande idéia para Antonina

O turismo de observação de aves
- 10/4/2009
(Fotos: Nivaldo Simões)

O turismo de observação de aves, uma atividade classificada como ecoturística, encontra-se em franca expansão em todo o mundo, sendo bastante difundida no exterior, mas ainda é incipiente em nosso país. Mesmo assim, a atividade vem galgando degraus no Brasil, com Pantanal e a Amazônia atraindo, anualmente, milhares de bird watchers, cuja permanência média vai de quatro dias a uma semana.

Se para a prática do birding o maior atrativo do Pantanal da Amazônia é a quantidade de pássaros, o diferencial da Mata Atlântica encontra-se na riqueza da biodiversidade. Dentro desse contexto, o Litoral Norte possui enorme potencial para desenvolver birding, com a vantagem de nossa região estar situada no centro do maior eixo econômico da América Latina, formado pelos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, onde é possível chegar e se deslocar com extrema com facilidade, ao contrário do que acontece quando o destino é o Pantanal e a Hiléia Amazônica.

Por ser uma atividade sustentável – ou seja, gera renda sem provocar qualquer impacto ambiental –, com a possibilidade de promover a inclusão social, divulgar e fiscalizar nossas riquezas naturais, o birding é, eminentemente, uma atividade conservacionista, e, por isso mesmo, a prática é permitida no interior das unidades de conservação que, no Litoral Norte, cobrem cerca de 80% do território.

Por todas essas vantajosas características o birding deveria ser incentivada pelas secretarias do Meio Ambiente e do Turismo de nossas cidades e do Estado de São Paulo.

O incentivo ao turismo de observação de aves pode ser viabilizado através, principalmente, do levantamento das espécies locais; da colocação de sinalização visual indicando quais espécies o visitante encontrará com mais facilidade; da confecção de material audiovisual com filmes, fotos e gravações das vocalizações da avifauna; da montagem de torres de observação em pontos estratégicos; da aquisição de binóculos para serem emprestados aos visitantes; do plantio de frutíferas nativas que atraiam as aves; e do treinamento de funcionários e moradores do entorno das unidades de conservação para servirem de monitores dos observadores de aves.

O treinamento para a formação de monitores especializados envolve o conhecimento dos nomes científico, popular e em inglês, conhecimento do canto, da forma e do comportamento para a identificação da espécie. A vivência de campo é imprescindível para o bom exercício da atividade de guia.

Apesar de o Litoral Norte estar localizado no estado mais rico da União, as unidades de conservação aqui existentes desde meados da década de 1970 – há mais de três décadas, portanto – sequer possuem os inventários da fauna por elas abrigadas! Fauna que, voltamos a frisar, encontra-se seriamente ameaçada pela caça e pelo tráfego de animais, tendo em vista a quase que completa falta de fiscalização.

Todos os pontos acima sugeridos poderão ser alcançados desde que haja vontade política, através de parcerias e convênios com a iniciativa privada e órgãos de pesquisa e ensino do próprio Estado, tais como Instituto Butantan, Fundação Parque Zoológico de São Paulo, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), USP, Unicamp.

Dentro da Fundação Florestal, órgão da secretaria estadual do Meio Ambiente responsável pela administração dos parques estaduais de nossa região, existe a vontade política de viabilizar o birding no Litoral Norte. Resta às secretarias municipais do Meio Ambiente e do Turismo da região, a exemplo do que já está sendo feito há anos em Ubatuba, também encamparem a proposta, não apenas de forma individual, mas também regionalmente.


Na foto do alto da página, o beija-flor-tesoura (Eupetomena macroura). Abaixo, à esquerda, o tiê-sangue (Ramphocelus bresilius) macho adulto, e, à direita, o tiê-preto (Tachyphonus coronatus), com sua plumagem juvenil (Fotos: Nivaldo Simões)

Clique na foto para ampliar:
Ampliar Foto
Ampliar Foto

Fonte: Jornal Canal Aberto

quinta-feira

Internet

Crime x Anonimato na Rede

Elis Monteiro


Não tem jeito: onde há pessoas, há confusão. Dizem por aí que a internet nada mais é que o reflexo do comportamento humano no ciberespaço, às vezes de maneira amplificada, já que não há fronteiras físicas. Assim, é possível encontrar, na rede, todas as idiossincrasias próprias do comportamento do Homem. Pior ainda quando, tirando partido do anonimato, uma espécie de máscara virtual passa a esconder todo tipo de coisa - boa ou ruim. Não é à toa, assim, a existência, em redes de relacionamento social como Orkut, Facebook, de comunidades racistas, nazistas e outras tantas bizarrices, às vezes escondidas, às vezes escancaradas. Redes como Orkut e Facebook são o alvo preferencial de criminosos, que passam a agir sob o véu do anonimato. Tranquilos em sua confortável posição de anônimos, continuam atuando na encolha, trocando material de pedofilia, enviando spams, promovendo badernas virtuais, invadindo perfis pessoais, denegrindo pessoas e incomodando, e muito, o próximo. Diante de problemas graves como a pedofilia, a pornografia, a invasão de privacidade e outros tantos delitos, empresas donas de serviços como Orkut, Facebook, MySpace, Twitter, etc, precisam manter equipes em constante vigilância visando a coibir comportamentos ilegais em seus servidores. Foi através do monitoramento que o MySpace conseguiu identificar, num trabalho que durou dois anos, uma verdadeira quadrilha de pedofilia que somava nada menos que 90 mil pessoas, agindo na rede social. O MySpace, que é de propriedade da divisão digital da Fox Interactive Media, da companhia News Corp, revelou o número de perfis "cassados" após intimação da justiça americana. A notícia fica ainda mais grave diante da constatação de que tal número é o dobro do que já havia sido descoberto anteriormente pela ferramenta. Ou seja, cresce assustadoramente a quantidade de criminosos atuando em comunidades virtuais. O desafio, agora, é lutar contra o anonimato em redes sociais, já que ficou provado que ele favorece a prática de crimes. O problema é que acabar com o anonimato acaba se revelando uma faca de dois gumes. Por isso mesmo, organismos internacionais de defesa da liberdade no ciberespaço não se mostram dispostas a entregar tão perigoso precedente. Afinal, em nome da caça a criminosos, todos os internautas podem passar a ter a vida monitorada de alguma forma, o que também não seria bem-vindo. Nesse meio tempo, há iniciativas particulares que visam a diminuir a incidência de ações criminosas em redes sociais. Conversei recentemente com o americano Thomas O´Farrell, Chief Financial Officer (CFO) e co-fundador da rede social Sonico, que começa a ser conhecida aqui no Brasil. Diz ele que a premissa principal, na criação do serviço, foi garantir uma segurança que muitas de suas concorrentes não conseguiram prover. A ideia é, no futuro, evitar problemas com a Justiça já enfrentados, por exemplo, pelo Orkut, ferramenta de propriedade do Google. Depois de anos de lutas judiciais, o Google resolveu colaborar com a justiça brasileira, entregando os números IP de suspeitos de práticas ilegais dentro das comunidades do Orkut. No Sonico, os usuários precisam se identificar, indicar email válido, e a ideia é incentivar as pessoas a só aceitarem convites, para suas redes de amigos, de pessoas conhecidas no mundo físico. Há também ferramentas de filtragem e restrições de acesso a perfil, blog e álbum de fotos. Diz Thomas que garantir a segurança e a privacidade é, hoje, essencial para a existência de uma rede social, que pode, assim, ficar menos exposta a conteúdos de pedofilia e outros crimes praticados na internet ou com a ajuda desta. As questões ligados ao anonimato também já incomodam os sites de grandes veículos de comunicação. Mesmo com a exigência de cadastros obrigatórios, com emails válidos, é possível escolher apelidos, ou seja, máscaras que permitem o uso do anonimato como forma de legitimar comportamentos suspeitos. Um bom exemplo está nas ferramentas de comentários de blogs públicos, de celebridades, jornalistas ou quaisquer pessoas que, sem o véu do anonimato, dão a cara a tapa para outros que, por sua vez, se escondem atrás de apelidos com a intenção primeira de agir de forma livre e, em alguns casos, anárquica na rede mundial. É claro que não há como impedir que uma pessoa prefira usar o anonimato para expressar livremente suas opiniões, mas este mesmo anonimato passa a ser uma grande arma nas mãos de pessoas que, em muitos casos, não sabem se comportar em meio social. Nem na vida "real" nem na virtual. Assim como no mundo físico, a internet está cheia de recalcados, infelizes, amargurados, que passam a eleger alvos para suas miseráveis existências. E fóruns, redes sociais, páginas de veículos de comunicação, blogs, quaisquer ambientes que tencionem promover a interatividade com os internautas acabam se transformando em moradias de palavras de baixo calão, discussões, ofensas, ou seja, tudo o que se vê na vida real, amplificado pelo uso dos pseudônimos. Como lidar com o anonimato de forma saudável? Há tempos grupos de estudo espalhados pelo planeta tentam descobrir uma fórmula mágica que consiga criar filtros sem limitar a liberdade na internet que, ninguém contesta, precisa ser respeitada. Enquanto isso, alguns países já traçam estratégias políticas que garantam o mínimo de segurança para aqueles que só querem navegar em paz e de forma saudável. Mas não é fácil achar uma fórmula que agrade a todos. Recentemente, um projeto de Lei criado por um senador brasileiro, Eduardo Azeredo, criado a princípio para coibir crimes praticados na internet, gerou uma grita geral porque, dentre outras propostas, previa a denúncia, por parte dos provedores, de suspeitas de atividades criminosas ocorrendo em seus servidores. O projeto continua sendo rechaçado pela comunidade, afinal, mexer com a liberdade no ciberespaço, mesmo que com propósitos nobres, sempre gera desconfiança. Mas uma fórmula precisa ser encontrada, ainda mais num momento em que a internet amplia seus tentáculos e começa a chegar às classes sociais menos favorecidas. Conscientizar parece ser a mais saudável das ações, assim como o incentivo à criação de filtros que levem pelo menos a uma identificação razoável, sem invasão de privacidade. Pode ser um bom começo, mas a questão é mais complexa do que se imagina, afinal, o ser humano continua (e vai continuar) cheio de falhas. Dentro ou fora da rede.

Elis Monteiro é repórter e colunista do caderno Info etc do Jornal O Globo, foi repórter especial do caderno Informática do Jornal do Brasil, onde participou da equipe responsável pela criação do caderno Internet.

segunda-feira

REDE


Quando blogar faz mal

Ery Roberto Corrêa

A partir de exemplo que representa um fato típico, resultado de situação por que passa um pequeno município do Brasil, é possível compreender aonde pode levar o estado exacerbado de ansiedade provocado na população.

A simpática Antonina (70 km de Curitiba), litoral do Paraná, cidade portuária de vinte mil habitantes, nasceu cheia de belezas naturais. Sua respeitável história conta com um capítulo invejável que trata da vocação do seu povo para as artes.

Vítima nas últimas décadas das más administrações municipais, a terra capelista como é conhecida, tem empenhado todos os seus esforços na realização de único sonho que transforma as demais potencialidades em apenas pó: a operacionalização do seu porto.

A região litorânea do Estado, com extensão reduzida, conta com o Porto de Paranaguá, considerado em 2006 o maior terminal exportador de grãos da América Latina. Melhor localizado e por ser detentor de maiores recursos de navegabilidade para embarcações de grande calado, potencialmente equipado e por receber todos os investimentos governamentais, detém movimentações recordistas em suas diversas operações. Mesmo assim, aquela cidade não é isenta de problemas, crises e desmandos.

É notório, de há muito tempo, o descaso dedicado pelos sucessivos governos estaduais com a atividade em Antonina, quando se sabe que com certa boa vontade ao Terminal Ponta do Félix pudesse ser reservado o direcionamento de cargas próprias, para navios menores e com rotas específicas.

Deixarei de citar números. Qualquer pesquisa googlística é suficiente para instruir melhor avaliação através de dados.

Marcada pela mais desastrosa atuação de um alcaide nos últimos vinte anos, na administração encerrada em 31 de dezembro último, a cidade elegeu um prefeito exímio conhecedor dos seus mais dolorosos problemas. Carlos Augusto (Canduca) Machado, é pessoa de considerável competência, firmeza de propósitos, sensibilidade apurada, experiência administrativa e ilibado caráter.

Herdou da trágica atuação antecessora uma prefeitura falida. Segundo fontes fidedignas, no estado calamitoso deixado, que é produto de verdadeiro achaque aos bens públicos, o novo prefeito encontra dificuldades até para construir uma "fotografia" da situação – que, convenhamos, seria potencialmente útil como diagnóstico para esboçar um projeto concreto de governabilidade – por conta da inexistência completa de referenciais. A equipe anterior tratou de apagar os rastros e não há nenhum sistema de informações que se torne base confiável a recorrer. Sumiu, inclusive, parte da documentação física.

Uma situação deste porte não permite absolutamente nenhum planejamento antes que se reconstitua uma base mínima que sirva de amparo para desenhar projetos de curtíssimo prazo.

Todavia, parte do povo exige com impaciência. A formação do secretariado feriu suscetibilidades. Os preteridos passaram a engrossar o coro dos descontentes que partiram para o ataque desordenado, movidos por frustrações pessoais transformadas em lanças pontiagudas em verdadeira guerra medieval. Para tanto escolheram a rede como campo de batalha. Em paupérrima estratégia adotaram um formato de imprensa, a que denominaram "blogues antoninenses", de onde lançam seus ataques. Um deles foi categórico em conceder prazo ao prefeito, prometendo depois de expirado iniciar outro tipo de "atitude jornalística" (!).

Existem os moderados, mas que não deixam escapar oportunidades para revelar atitudes tendenciosas.

Situação desta natureza, sem possibilidade anterior de um mínimo interstício reservado à transição de governo, merece mais consideração de um povo. Como qualquer município do Brasil, Antonina, além da crise mundial, também sofreu cortes em suas arrecadações provindas do Fundo de Participação. E mais: não há atividade local potencialmente geradora de recursos para consecução de obras, mesmo reformas, em prazo imediato. É preciso antes de qualquer coisa honrar compromissos herdados e investir nos contatos de nível superior no Estado, na inglória tentativa de aliar políticos para uma sensibilização que resulte em ajuda considerável.

O prefeito escolheu este caminho. Diga-se, se não o único, aquele que pode vislumbrar alguma condição de iniciar mudanças em prazo de no mínimo um ano. Não é possível querer plantar sem antes cuidar do solo.

Enquanto isto, os descontentes insistem numa espécie de "governo paralelo". Empilham em posts sugestões desordenadas recebidas dos seus comentaristas "anônimos" (comportamento lamentável e repugnante, por eles justificado como forma de "não ser ameaçado"), revelam contatos com instâncias pseudomilagrosas, exercem impunemente o poder negativo da crítica pela crítica e até lançam candidatos a prefeito para a próxima eleição, antes mesmo da atual legislatura – com três meses de existência -, concluir um necessário relatório da situação e anunciar seus planos.

O mais interessante deste episódio é que estes mesmos cronistas da dita "imprensa capelista", desfilavam antes de outubro carregando as bandeiras eleitorais do Canduca. Transformaram-se, da noite para o dia, em inimigos públicos. Desconhecem literalmente as diferenças que a convivência política sugere a partir da assimilação do que seja inimigo e adversário político. Optaram pela crítica incontrolável e injustificada, até sarcástica, pelo bater porque lhes aumenta o prazer da vingança. Tudo em nome daquilo que é sagrado: a liberdade de expressão. Esquecem, no entanto, que não há qualquer liberdade sem responsabilidade.

Quero crer que a responsabilidade, caso existisse movida pelo pleno reconhecimento de tudo que já foi trazido a público, até por eles próprios, sobre o sucateamento do município no governo anterior, seria motivação para apoio ao atual alcaide em sua luta de resgate da dignidade de Antonina, dando-lhe apoio incondicional a qualquer tempo. Não a praticam, em absoluto. Decidiram pelo "envenenamento" das mentes dos cidadãos de bem. Pelo menos daqueles que já alcançaram a alfabetização digital.

Todavia, Canduca é inteligente. Ele conhece a terra onde nasceu e sua gente é testemunha da sua origem. Sabe do valor do povo e do que pode transformar. Tem planos concretos envolvendo a educação, cultura e o turismo, focos capazes de iluminar a seara para o plantio de um novo estilo de agir e ser, de um comércio atualizado, atividades correlatas e oportunidades para seus conterrâneos.

Antonina pode e deverá ampliar seus investimentos nos recursos naturais que possui. É possível desenvolver a indústria, dentre elas a de turismo voltada para a exploração da sua beleza, excelente localização, eventos já consagrados como o Carnaval (quando mais de 50 mil pessoas a visitam), o Festival de Inverno patrocinado há anos pela UFPR, a Festa da Padroeira Na. Senhora do Pilar, as temporadas de verão. Além disto, seu povo, sem efeito do veneno mortífero da imprensa maledicente e de colaboradores anônimos, é capaz de produzir atrações de porte pelas vias do seu talento nato: pintura, artesanato, gastronomia, teatro, manifestações folclóricas e danças (fandango), literatura e principalmente muita música. O capelista respira com a harmonia das notas que sabe compor e dos instrumentos que sabe executar.

Para quem acha que atividades simples decorrentes de talentos individuais nada representam em termos de geração de recursos, convém lembrar que incentivos às escolas de arte, academias, atividades esportivas e outras ajudam na educação das gerações, tornando-as menos suscetíveis à perdição das drogas em vista da desocupação. Só um povo sadio sabe pensar e se organizar.

Como priorizar ou ficar preocupado apenas com a alternativa mais difícil – a representada pela luta obcecada e infrutífera de sobrevivência do seu porto, diante deste mosaico de possibilidades diferentes?

Quando se quer mudar é preciso unificar propósitos. Não se separa o que é útil em hipótese alguma, ainda mais quando a motivação fica apenas no âmbito da mesquinhez. Gestos como acontecem nesses blogs não permitem que se acredite nem nas vírgulas tão mal colocadas dos seus posts.


O prefeito Canduca é advogado. Conheço-o desde 1975. Foi meu colega no Banco do Brasil durante vinte e um anos de labuta. Nossa amizade e convivência permitem-me avalizar todos os seus gestos,inclusive os da função atual, mesmo que eu seja um antoninense apenas de coração.

IMPRENSA


O papel do jornal como veículo de informações (*)
Por: Mauro Cherobim

Qual é a importância de um jornal numa cidade pequena? É importante em vários aspectos, mas vou me ater em dois: memória e informação.


Há pouco mais de trinta anos, quando eu fazia pesquisa no Amazonas, apontaram-me um armário com duas coleções de jornais que circularam em Humaitá na última década do século XIX e nas duas primeiras décadas do século XX. As matérias permitiam reconstruir uma história viva da cidade de Humaitá, os interesses dos seus moradores, o prestígio das pessoas...
Era a história viva de uma população contada através dos olhos dos redatores do jornal, a maioria sem uma escolaridade formal, mas pessoas com perspectivas de passado e de futuro. A falta destas perspectivas faz com que se pense que o mundo começa e termina com o indivíduo.
Os anúncios centenários mostravam o que se comia e de onde os alimentos eram importados. A manteiga, por exemplo, era importada do sul do país e parte dela da Europa; o jornal nos leva a inferir (concluir, raciocinar, refletir) que não se praticava a pecuária na Amazônia.
A memória de uma cidade, então, são as informações contidas e guardadas nos jornais. Por menores que sejam.
As informações! Houve uma grita, tempos atrás, quando o atual governo tentou, através de Lei, “regulamentar” a imprensa e a produção artística. Motivo: o temor pelas informações. Os governos, de modo geral, temem as informações. Um filósofo canadense, por exemplo, teve um seu livro traduzido para o português, com um nome bem sugestivo: Conhecimento proibido (Roger Shattuck Conhecimento proibido: de Prometeu à pornografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1998). Este livro mostra que determinados tipos de informações não devem chegar à população. Um grupo religioso, por exemplo, tem feito campanha para que os estudos do DNA fossem proibidos, pois, segundo os cientistas estariam se colocando acima de Deus, um elemento de crença. Os meios de comunicação divulgam e então eles se tornam um instrumento da besta.
Os grupos evangélicos têm uma gravura, do caminho estreito e do caminho largo, que encaminha o crente, respectivamente, ao céu e ao inferno. Numa das suas versões há um trem no fogo eterno. O trem foi, na Inglaterra moralista do século XIX, um instrumento da besta, pois transportava pessoas de um local para outro. Elas voltavam com novos conhecimentos, novas idéias, permitindo-lhes contestar as idéias dos lideres religiosos locais.
A idéia de autoridade esta ligada a uma instituição. A Igreja, a Prefeitura, etc. O Prefeito, o padre, o pastor, são autoridades institucionais, o tipo mais comum e são quem mais sentem a difusão de informação. Existem outros: a autoridade pelo saber (meritocracia), a autoridade de prestígio social, e vários outros tipos.. Se o detentor de uma autoridade institucional não tiver prestígio, saber, etc., terá uma autoridade vazia. Este é o motivo de os governos autoritários não gostarem da imprensa.
O segredo é uma forma de poder. O chefe religioso, o chefe político. Observei, numa pesquisa que realizei entre grupos pentecostais na Baixada do Ribeira, um pastor que proibia aos seus seguidores de assistir qualquer programa de televisão. A televisão é “um instrumento da besta”, dizia. Quando fui na sua casa encontrei a sua esposa e os seus filhos assistindo TV. Perguntei: você me falou, há pouco, que a TV era instrumento da besta? O seu aparelho, justificou, era para conhecer o mundo televisivo e assim orientar o seu povo. Ele se munia do segredo, do cerceamento à informação, para reforçar o seu poder.
O papel da imprensa, e deste jornal em Morretes, é o de informar e, portanto, construir uma memória e permitir a participação dos indivíduos na vida cultural, política, social. Em outras palavras, ao exercício a cidadania.
(*) – Publicado, originalmente, em Morretes Notícias, Edição nº 0, novembro de 2006.

terça-feira

DE INIMIGOS A ADVERSÁRIOS
Roberto Sansón Mizrahi


Acontece que sou o dono da verdade; de toda a verdade, sempre. Procuro impor minha verdade e, se isso não for possível, rejeito as outras verdades e me recuso a colaborar. Me causa frustração e rancor que haja pessoas que não aceitem a minha verdade.

Essa atitude provoca sérios danos, e seus efeitos se agigantam quando várias pessoas igualmente convencidas de serem as donas da verdade —de toda a verdade, sempre— colidem. Então, o diálogo fica travado, os argumentos se radicalizam, não importam as formas de cooperação ou de apoio mútuo. Surgem antagonismos carregados de agressões abertas ou encobertas, que desviam a energia social e a encaminham para o confronto, esterilizando o talento e a determinação.

Nesse cruzamento de egos e interesses, apontar as condutas destrutivas dos outros é mais simples do que reconhecer as próprias. Acontece que temos uma habilidade inacabável para negar que atuamos impelidos por nossos interesses e que somos capazes de justificar qualquer coisa contanto que consigamos nos arrogar a razão.

Num contexto de fortes antagonismos é difícil convocar e ser convocados, utilizar plenamente o potencial de um grupo, de um país ou da aldeia global. Pois, em lugar de tentarmos alinhar interesses e necessidades diversos, procuramos impor os nossos. Quanta dor causamos com isso!, quanta energia dilapidamos!, quantas luzes se apagam ou não chegam a ser acesas!

Esses comportamentos são, em parte, o legado de uma história de enfrentamentos ancestrais que cobre cada geração de antigos ódios, receios e preconceitos. Porém, nós também contribuímos a reforçar os desencontros com antagonismos de novo cunho que, muitas vezes, resultam de nossa incapacidade para distinguir os inimigos dos adversários.

Qual a diferença entre inimigo e adversário? Inimigo é aquele que procura nossa destruição ou nossa submissão. Adversário é aquele que, ainda lutando por seus próprios interesses (materiais, emocionais, religiosos, ideológicos), não tenta nos destruir ou submeter, nem atua em detrimento de nossa realização pessoal. Se bem que existam casos em que essa distinção se torna difusa, há muitos outros em que fica claro quem é o adversário e quem é o inimigo.

Não estamos diante de uma simples disquisição acadêmica. Se soubéssemos distinguir uns dos outros, poderiamos nos dar conta de que muitos supostos inimigos são, na verdade, apenas adversários; e, portanto, poderiamos tomar consciência dos erros e das injustiças que cometemos e das oportunidades de construirmos coisas em conjunto que temos dilapidado.

Essa diferença entre relações adversariais e relações de inimizade pode se apresentar em quase todas as esferas da vida social, política e econômica. Em matéria política, algumas pessoas, tanto do governo quanto da oposição, partem da concepção de que elas só podem fazer suas idéias e seus projetos crescerem por meio da destruição do adversário, transformado em inimigo. Assim, as potencialidades sociais acabam por ser esterilizadas, já que muitas contribuições não são completadas ou nem sequer chegam a existir, e as energias se desviam das ações construtivas para serem dirigidas ao choque, pois ninguém se entrega sem oferecer resistência.

Uma coisa é a visão de um bolo único e estático que a gente quer para si e para seu grupo, e uma outra coisa é que procuremos, entre todos nós, alargar o espaço do conjunto e compartilhar os resultados obtidos. O primeiro ponto de vista só admite a possibilidade de dar cotoveladas e de crescer esmagando os outros, enquanto a segunda opção implica colaboração, justiça e crescimento orgânico.

O fato de vermos inimigos onde há adversários está ligado aos valores e conceitos que nos guiam. Aquele que valorizar o esforço do próximo, a legitimidade e a capacidade de contribuição da diversidade, e os riscos decorrentes da homogeneização de perspectivas, terá menos motivos para classificar os adversários de inimigos. E se ele por engano o fizer, em algum momento vai reconhecer e reparar o erro.

Porém, as pessoas que têm sido formadas segundo os preceitos de qualquer classe de fundamentalismo vêem inimigos em toda parte, e consideram que é necessário eliminá-los, neutralizá-los ou submetê-los. Elas não conhecem a generosidade espiritual, a verdade duvidosa, a abertura mental ou a vastidão de sentimentos. Essas pessoas foram modeladas na selva do confronto e da imposição, e são impermeáveis àquelas opiniões e pontos de vista que relativizam sua própria visão. Elas praticam o autoritarismo e escasseiam misericórdia e boa vontade.

Sendo que os valores, os interesses e as atitudes constituem o fundamento de nossa conduta, é possível que nos baseamos na experiência e num bom treinamento para identificar como inimigos aqueles que realmente são inimigos, e reconhecer como adversários legítimos e respeitáveis muitos outros que consideramos inimigos e que tratamos como tais, mesmo que nunca tenham sido inimigos ou que tenham deixado de sê-lo.

Olhar para dentro

Nossa primeira reação é sempre a de pensar naquilo que os outros teriam que fazer para deixarem de ser nossos inimigos e se transformarem em adversários legítimos e respeitáveis. Não adianta cairmos nessa armadilha. Primeiro temos de olhar para dentro: quais as coisas que precisamos mudar para atingir o próximo com uma atitude que o convide, que impulsione ou facilite sua própria reflexão e uma mudança de perspectiva com respeito a nós, a nosso grupo, a nossa comunidade, a nosso país?

O ideal seria que “os outros” seguissem o mesmo caminho, mas não é bom que condicionemos nosso processo de revisão a isso, porque além de continuarmos no pântano do qual procuramos sair, nos sujeitariamos à iniciativa e aos tempos dos outros. Trata-se de adotar uma conduta reta e pragmática, tomando todas as precauções do caso. Se, após um esforço genuíno, não conseguirmos mudar a dinâmica da relação, ainda saberemos como proteger nossos espaços.

Os desdobramentos de nosso ego, a dor e os tecidos sensíveis resultantes de antigas feridas, os medos, os receios, as ofensas recebidas e as inseguranças acumuladas ao longo da vida são tantos que não é possível acreditar que nosso entendimento esteja livre desses fatores condicionantes e que nossa subjetividade não seja enganosa. Bem que seja impossível que nos desfaçamos da subjetividade, o fato de compreendermos como ela foi estruturada nos ajudaria a redobrar esforços para ouvir mais plenamente os outros e tentar captar o essencial de suas palavras, seus sentimentos e seus interesses.

Anseios e rumos

Há momentos históricos que exigem verdadeiros pontos de inflexão no rumo político de uma sociedade; drásticas mudanças de direção que são necessárias em situações muito especiais, principalmente quando temos atravessado longos períodos sem conseguirmos ajustar o rumo no decorrer dos fatos. No entanto, é negativo que avancemos dando pulos de forma constante, com cortes na trajetória e grandes dirupções. Convém estar alertas e ter determinação para efetuar oportunamente aqueles ajustes que nos permitam resolver sérios problemas, em lugar de adiar ou ignorar essas soluções, fato que só nos levará a represar forças que mais tarde vão transbordar, gerando altos custos e uma permanente descontinuidade de esforços.

O canibalismo político e o sobrepeso de egos e interesses individuais atentam contra os interesses do conjunto social e impedem que nossas necessidades e aspirações sejam atendidas. Ainda que as paixões e as mesquinhezas ganhem força, vale a pena que vamos além dessas torrentes para olhar os outros nos olhos, reconhecer seus medos, assegurar-lhes nosso respeito e encarar com eles a tarefa conjunta de construir a paz e o bem-estar. Será a justiça e a firmeza dos justos, a generosidade e a compaixão que nascem da boa vontade, a criatividade e o talento de cada um, a responsabilidade, a habilidade e a visão de nossos líderes que vai nos permitir construir caminhos de desenvolvimento sustentável, cicatrizar feridas, aproximar os irmãos, abater juntos a desigualdade e a pobreza. Nesse devir —que não é uma utopia, e sim um desafio— também haverá oportunidade de refletir sobre os enigmas da vida e do desnorteamento no qual caímos ciclicamente. Ninguém poderá dizer que a agenda da humanidade é estreita; ela nunca o foi e não o será desde que continuem a surgir anseios à procura de novos e melhores rumos. Tomara que o ano de 2009 nos encontre decididos a continuar essa busca.

TURISMO


O futuro de Antonina é o passado

Norberto Gonçalves (de Curitiba)

Casarios, ruínas, ruas e calçamento de pedras seculares, são de fato, registros históricos de Antonina, rastros de um caminho que conta muita coisa e apontam um destino: o turismo cultural

O turismo é a maior potencialidade de Antonina em muitas modalidades, mas a vocação histórica é a atividade portuária. Hoje, o porto se tornou uma atividade altamente insustentável. Mesmo porque, por estar situada num estuário, o assoreamento é uma constância. Somado com a vazão ampliada do rio Cachoeira, que recebe as águas do rio Capivari através da jusante da Usina Parigot de Souza, o assoreamento se dá o ano inteiro como se fosse nas estações chuvosas.Esse fator estabelece uma necessidade diuturna de dragagem nos canais portuários, ampliando os ônus da atividade. Hoje, toda e qualquer atividade econômica tem que, obrigatoriamente, ser autosustentável e ecologicamente correta.

Mas a morbidez da cultura antoninense, que projeta para a cidade uma volta ao glamour do início do século XX, quando tinha uma efervescência econômica e cultural, coloca um véu ofuscante sobre o debate do desenvolvimento turístico.

Durante dois anos, a pesquisadora Anabela Leandro conviveu com moradores de Antonina. O que ela se propôs foi tentar compreender os fatores que provocaram o declínio econômico e cultural do lugar que, em tempos áureos, alojou o quarto maior e mais importante porto do País, o Barão de Teffé. E os resultados de seus estudos culminaram com a dissertação de mestrado Imagens fotográficas e memórias: uma incursão pelo passado da cidade de Antonina – PR, apresentada ao Departamento de Multimeios do Instituto de Artes (IA) da Unicamp, sob a orientação do professor Etienne Samain.

A pesquisadora verificou com os moradores com os quais fez contato, que o que prevalecia de suas memórias e anseios era justamente o passado glorioso da cidade, que recebia com freqüência companhias de teatro e de música do mundo inteiro. A cidade tinha ainda acesso a produtos refinados, porque toda a demanda de importação e exportação passava por Antonina. Para um pequeno município de décadas passadas, até que era um fabuloso movimento para os moradores, tanto em termos culturais quanto econômicos.

Esse conceito parece sintetizar a opinião do fotógrafo Francisco Almeida, o Chiquinho, que disse à pesquisadora: “... o futuro de Antonina é o passado...” Pelo tom de desânimo com que pronunciou tais palavras, a pesquisadora deduziu que, o que se costuma relacionar ao “futuro” de uma cidade, o “progresso” já havia ficado para trás, e dificilmente esse desenvolvimento poderá ser retomado. Para Anabela, entretanto, “a colocação de Chiquinho também indica um outro caminho – de que o futuro de uma cidade e a sua condição de permanência estão unicamente na preservação da memória do lugarejo. Desde que esta memória seja trabalhada de maneira a atrair novos investimentos no campo do turismo e, assim, atenuar a atual crise da cidade, seja ela econômica ou cultural”.


A exploração do passado é, naturalmente, o caminho que deve ser traçado por Antonina. Exige, por exemplo, que as ruínas sejam preparadas para a visitação pública e contem a sua história. Mesma coisa com os casarios, o Theatro Municipal, a Estação Ferroviária, e todos os prédios históricos. Afinal, contar história é o nosso maior legado.