quinta-feira

Internet

Crime x Anonimato na Rede

Elis Monteiro


Não tem jeito: onde há pessoas, há confusão. Dizem por aí que a internet nada mais é que o reflexo do comportamento humano no ciberespaço, às vezes de maneira amplificada, já que não há fronteiras físicas. Assim, é possível encontrar, na rede, todas as idiossincrasias próprias do comportamento do Homem. Pior ainda quando, tirando partido do anonimato, uma espécie de máscara virtual passa a esconder todo tipo de coisa - boa ou ruim. Não é à toa, assim, a existência, em redes de relacionamento social como Orkut, Facebook, de comunidades racistas, nazistas e outras tantas bizarrices, às vezes escondidas, às vezes escancaradas. Redes como Orkut e Facebook são o alvo preferencial de criminosos, que passam a agir sob o véu do anonimato. Tranquilos em sua confortável posição de anônimos, continuam atuando na encolha, trocando material de pedofilia, enviando spams, promovendo badernas virtuais, invadindo perfis pessoais, denegrindo pessoas e incomodando, e muito, o próximo. Diante de problemas graves como a pedofilia, a pornografia, a invasão de privacidade e outros tantos delitos, empresas donas de serviços como Orkut, Facebook, MySpace, Twitter, etc, precisam manter equipes em constante vigilância visando a coibir comportamentos ilegais em seus servidores. Foi através do monitoramento que o MySpace conseguiu identificar, num trabalho que durou dois anos, uma verdadeira quadrilha de pedofilia que somava nada menos que 90 mil pessoas, agindo na rede social. O MySpace, que é de propriedade da divisão digital da Fox Interactive Media, da companhia News Corp, revelou o número de perfis "cassados" após intimação da justiça americana. A notícia fica ainda mais grave diante da constatação de que tal número é o dobro do que já havia sido descoberto anteriormente pela ferramenta. Ou seja, cresce assustadoramente a quantidade de criminosos atuando em comunidades virtuais. O desafio, agora, é lutar contra o anonimato em redes sociais, já que ficou provado que ele favorece a prática de crimes. O problema é que acabar com o anonimato acaba se revelando uma faca de dois gumes. Por isso mesmo, organismos internacionais de defesa da liberdade no ciberespaço não se mostram dispostas a entregar tão perigoso precedente. Afinal, em nome da caça a criminosos, todos os internautas podem passar a ter a vida monitorada de alguma forma, o que também não seria bem-vindo. Nesse meio tempo, há iniciativas particulares que visam a diminuir a incidência de ações criminosas em redes sociais. Conversei recentemente com o americano Thomas O´Farrell, Chief Financial Officer (CFO) e co-fundador da rede social Sonico, que começa a ser conhecida aqui no Brasil. Diz ele que a premissa principal, na criação do serviço, foi garantir uma segurança que muitas de suas concorrentes não conseguiram prover. A ideia é, no futuro, evitar problemas com a Justiça já enfrentados, por exemplo, pelo Orkut, ferramenta de propriedade do Google. Depois de anos de lutas judiciais, o Google resolveu colaborar com a justiça brasileira, entregando os números IP de suspeitos de práticas ilegais dentro das comunidades do Orkut. No Sonico, os usuários precisam se identificar, indicar email válido, e a ideia é incentivar as pessoas a só aceitarem convites, para suas redes de amigos, de pessoas conhecidas no mundo físico. Há também ferramentas de filtragem e restrições de acesso a perfil, blog e álbum de fotos. Diz Thomas que garantir a segurança e a privacidade é, hoje, essencial para a existência de uma rede social, que pode, assim, ficar menos exposta a conteúdos de pedofilia e outros crimes praticados na internet ou com a ajuda desta. As questões ligados ao anonimato também já incomodam os sites de grandes veículos de comunicação. Mesmo com a exigência de cadastros obrigatórios, com emails válidos, é possível escolher apelidos, ou seja, máscaras que permitem o uso do anonimato como forma de legitimar comportamentos suspeitos. Um bom exemplo está nas ferramentas de comentários de blogs públicos, de celebridades, jornalistas ou quaisquer pessoas que, sem o véu do anonimato, dão a cara a tapa para outros que, por sua vez, se escondem atrás de apelidos com a intenção primeira de agir de forma livre e, em alguns casos, anárquica na rede mundial. É claro que não há como impedir que uma pessoa prefira usar o anonimato para expressar livremente suas opiniões, mas este mesmo anonimato passa a ser uma grande arma nas mãos de pessoas que, em muitos casos, não sabem se comportar em meio social. Nem na vida "real" nem na virtual. Assim como no mundo físico, a internet está cheia de recalcados, infelizes, amargurados, que passam a eleger alvos para suas miseráveis existências. E fóruns, redes sociais, páginas de veículos de comunicação, blogs, quaisquer ambientes que tencionem promover a interatividade com os internautas acabam se transformando em moradias de palavras de baixo calão, discussões, ofensas, ou seja, tudo o que se vê na vida real, amplificado pelo uso dos pseudônimos. Como lidar com o anonimato de forma saudável? Há tempos grupos de estudo espalhados pelo planeta tentam descobrir uma fórmula mágica que consiga criar filtros sem limitar a liberdade na internet que, ninguém contesta, precisa ser respeitada. Enquanto isso, alguns países já traçam estratégias políticas que garantam o mínimo de segurança para aqueles que só querem navegar em paz e de forma saudável. Mas não é fácil achar uma fórmula que agrade a todos. Recentemente, um projeto de Lei criado por um senador brasileiro, Eduardo Azeredo, criado a princípio para coibir crimes praticados na internet, gerou uma grita geral porque, dentre outras propostas, previa a denúncia, por parte dos provedores, de suspeitas de atividades criminosas ocorrendo em seus servidores. O projeto continua sendo rechaçado pela comunidade, afinal, mexer com a liberdade no ciberespaço, mesmo que com propósitos nobres, sempre gera desconfiança. Mas uma fórmula precisa ser encontrada, ainda mais num momento em que a internet amplia seus tentáculos e começa a chegar às classes sociais menos favorecidas. Conscientizar parece ser a mais saudável das ações, assim como o incentivo à criação de filtros que levem pelo menos a uma identificação razoável, sem invasão de privacidade. Pode ser um bom começo, mas a questão é mais complexa do que se imagina, afinal, o ser humano continua (e vai continuar) cheio de falhas. Dentro ou fora da rede.

Elis Monteiro é repórter e colunista do caderno Info etc do Jornal O Globo, foi repórter especial do caderno Informática do Jornal do Brasil, onde participou da equipe responsável pela criação do caderno Internet.